A eterna luta contra a pirataria

A estratégia adotada pela Fox de exibir o season finale da quinta temporada de The Walking Dead no Brasil apenas uma hora depois da exibição americana reacendeu uma velha discussão: afinal de contas, a pirataria é nociva ou necessária?
Lembro nesse momento da minha infância, quando eu era um jovem nerd descobrindo o mundo. Estou sentado no sofá, em frente a TV de 14 polegadas, com uma vasilha de pipoca na mão. Mudei para o SBT afinal ia começar mais um episódio de Smallville. Fiz isso por muitos anos, até que deu no saco e resolvi ver pela internet mesmo. Foi uma transição da legalidade para a ilegalidade. Quebrar regras é gostoso né?

A verdade é que a esmagadora maioria da população brasileira era como eu. Assistia séries e filmes com um delay desgraçado em relação aos EUA. Começava uma série e nunca terminava pois ela de repente sumia da programação. Era terrível, mas a gente amava. Mas o tempos mudaram e trouxeram a internet, os torrents da vida e um novo mundo.

Hoje em dia o cenário é mais equilibrado. O advento da TV à cabo mudou a forma de entretenimento principalmente para os adultos, relegando os jovens aos downloads na internet. Mas ao abrirmos esse mundo, nos deparamos com uma realidade mais obscura. A pirataria está enraizada na nova geração, sendo a primeira escolha de muitos até quando nem é preciso ser usada.


Vamos transformar toda essa conversa em números. Uma pesquisa sobre o uso da tecnologia da informação no Brasil divulgada em abril do ano passado mostrou que 97% da população possui pelo menos um televisor em casa. Com uma projeção de 204 milhões de habitantes, estimasse que existam 197 milhões de aparelhos de TV no Brasil. Muita coisa não? Mas veja outro número ainda mais interessante: uma outra pesquisa aponta que existem apenas 19,4 milhões de assinaturas de TV fechada no Brasil. Uma vez que a média de pessoas em uma casa é de três e uns quebrados, estimasse que 60 milhões de brasileiros tenham acesso a TV à cabo. Sim, você faz parte de um público privilegiado.

Por outro lado, nem preciso falar o quanto o número de pessoas com acesso a internet aumentou no Brasil. E sabe como é, quanto mais gente na internet mais downloads serão feitos. A indústria não gosta disso, quer dizer, a maior parte da indústria. Mas o que fazer em relação a isso? Qual atitude tomar? Passos simples começaram a ser dados rumo à algum lugar.


Como dito no início do texto, a Fox enxergou que a pirataria estava começando a afetar os números da audiência. Sendo assim tomou uma decisão não tão inovadora, mas eficiente, que foi encurtar a diferença entre a exibição nos EUA e no Brasil. A série vai ao ar nos domingos e era exibida aqui nas terças. Depois passou para as segundas e teve o último episódio exibido ainda no domingo. Com um dia de diferença, fica quase impossível e desnecessário utilizar do download. A pessoa terá um dia útil de trabalho e estudo pela frente, mas terá o episódio dublado ou legendado assim que chegar em casa. Os executivos comemoraram os novos números e perceberam que o público consegue sim mudar seus hábitos. É um fôlego interessante para uma das séries mais pirateadas do mundo, com média de 80 mil downloads por episódio.

Ainda no mesmo barco está a HBO. A empresa é uma das cabeças do movimento que é a favor dos downloads. Tanta indiferença a essa prática devesse ao fato de Game of Thrones ser a série mais vista e mais pirateada do mundo. O prêmio foi vencido pelo programa por 3 anos consecutivos. Mas GoT também passa por um fenômeno curioso. Desde a segunda temporada a série passou a ser exibida simultaneamente entre EUA e vários países do mundo, entre eles o Brasil. Quem gosta da versão legendada pode conferir ao mesmo tempo de quem gosta da dublada. E não é só isso, a venda de DVD’s e Blu-ray’s aumentou cerca de 44% mesmo com tanta pirataria. Buscando um sucesso parecido, ou tentando evitar a pirataria de outras séries, o canal também adiantou a exibição das novas temporadas de várias atrações como The Leftovers. A empresa também lançou o HBO Go, um sistema que permite que assinantes possam acessar o conteúdo de várias plataformas como tablets e celulares.


Mas nem todas as séries do mundo passam na Fox ou na HBO e aí é que está o problema. Ainda existe hoje em dia uma discrepância enorme entre a exibição de programas lá fora e aqui dentro. O caso mais comum é o da Warner. A empresa possui um catálogo de sucessos como Arrow, Gotham, The Flash, The Big Bang Theory e muitos outros, mas comete o crime com seu assinante de demorar uma semana, ou mais, para passar um episódio inédito. Olhando pelo lado do download, é possível ter acesso ao episódio da semana com, no máximo, dois dias de diferença. E é esse intervalo tão curto que torna a pirataria tão atrativa. É como pegar a mulher mais linda da festa sem fazer esforço nenhum. A Sony é outro canal que continua alheio ao problema. Agents of SHIELD e Agent Carter possuem um delay considerável em sua exibição. Warner e Sony são pacotes básicos em qualquer pacote de TV por assinatura. Já a HBO faz parte dos pacotes mais caros oferecidos pelas empresas. Se você quiser comprá-lo avulso precisa desembolsar no mínimo R$50,00. Então por que a Warner ainda prefere ignorar que está parada no tempo? Só os executivos podem responder essa questão.

A pirataria funciona até mesmo para sites e geradores de conteúdo relacionados a cultura pop. Esse acesso fácil em alguns casos é o que alimenta críticas, análises e um punhado de conteúdo especial. Imagine se todos esperassem pela boa vontade dos canais pré-históricos? E isso casa com a necessidade do público de debater, comentar e criticar. Vivemos num mundo dinâmico, onde perder tempo é praticamente inaceitável.


Aposto que você já ouviu falar da Netflix, não é? Melhor, aposto que você faz parte dos 2,2 milhões de usuários do serviço de streaming. A Netflix é o novo queridinho do público e possui um sistema anti-pirataria que consegue ser eficiente até certo ponto e atrativo também. Lançar todos os episódios de uma série ao mesmo tempo é a alegria dos fãs. Maratonas e mais maratonas de House of Cards, Breaking Bad e daqui a pouco de Demolidor. Isso impede que os torrents apareçam? Não. Mas diminui consideravelmente os downloads. Ainda assim a Netflix não é perfeita. O catálogo nacional é inferior ao americano com a ausência de grandes séries, além da demora para o lançamento de novos filmes por exemplo. E é nessa falha que o maior inimigo da Netflix se fortalece, o Popcorn Time.


O serviço conhecido como “Netflix para pirataria” surgiu em março do ano passado e já abocanhou milhões de usuários. Muitos são atraídos pela rapidez com que o catálogo é atualizado, mesmo que a qualidade de som e imagem sejam precária. Seria algo como “o apressado come frio mas vê primeiro que todo mundo”. A empresa está tomando providências em relação a esse forte concorrente. O CEO e criador da empresa Reed Hastings está trabalhando numa maneira de tornar o conteúdo global, sem diferenças entre os países. É uma ideia linda, mas quase impossível de acontecer. Muito por causa dos estúdios de Hollywood, que monopolizam a distribuição de filmes e redigem contratos que obrigam a existência dessa “fronteira de conteúdo”.


A verdade é que a pirataria é um meio dentro de uma estrada que não tem fim. Enquanto existir essa preguiça corporativa e esse jogo de interesses, o público vai ficar nas sombras se aproveitando dos “Robin Hoods” da internet, que tiram dos mais ricos e dão aos mais espertos. Se isso vai acabar com a TV por assinatura e outros serviços ninguém pode dizer. Mas o que se pode tirar disso tudo é que a paciência do público já acabou faz tempo.
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